Popcafé #41: A Filha Perdida, o sotaque de Agnes Nunes e a newsletter de volta
Na primeira edição de 2022, descubra o belo filme de estreia de Maggie Gyllenhaal e o disco (também de estreia) da cantora Agnes Nunes.
“Atenção é a mais rara e pura forma de generosidade”.
Professor Hardy em “A Filha Perdida”
A Filha Perdida traz para as telas uma pulsante adaptação da obra homônima da italiana Elena Ferrante, pseudônimo de uma autora anônima que deu a autorização para a atriz Maggie Gyllenhaal escrever o roteiro adaptado da obra com uma condição: que ela, e apenas ela, dirigisse o filme. Era o desafio que esperava, “uma confirmação dessa figura cósmica e feminina” que ela admira: Maggie é fã dos livros de Ferrante.
O filme traz a história de Leda (Olivia Colman), uma professora de literatura comparada que está de férias em uma praia na Grécia e, por lá, cruza com Nina (Dakota Johnson) e sua família. Depois que a filha de Nina desaparece e perde sua boneca, a vida das duas passa a ficar intrincada, mas não apenas pela convivência: Leda vai enxergar na relação de Nina com sua filha pontos de reflexão sobre a sua própria história.
É de fato impressionante a segurança que Maggie Gyllenhaal tem em sua estreia, imprimindo um ritmo que se dá como uma espécie de peça musical de diferentes momentos: o tempo todo numa montanha russa de cadências que hora são dramas existenciais, hora partem pesado para um thriller de tensão social, hora difundem reflexões geracionais sobre o lugar da mulher no mundo, sobre a representação dos seus corpos e suas necessidades.
Nesse sentido, o filme me parece dialogar de forma muito intensa com as temáticas de algumas obras de James Gray (Amantes) e Clint Eastwood (Pontes de Madison), mas com um outro olhar (em parte possivelmente trazido da obra que o origina), aqui mais descontruído, nada centrado na figura masculina, mas preocupado em descascar personagens e seus dramas aos poucos, entregando através dos seus conflitos com o outro aquilo que precisam (re)descobrir sobre si próprios. O que sem dúvidas o aproxima de dramas mais intensos como Precisamos Falar sobre Kevin pelos dilemas da maternidade.
Talvez numa segunda visita ao filme se consiga receber melhor alguns trechos que me incomodaram e soaram menos conectados, como alguns flashbacks e as rotas da personagem de Dakota Johnson. Momentos super climáticos talvez merecessem outro tempo ou um cuidado diferente na montagem para causar o efeito que parece ter se buscado. A Filha Perdida, contudo, é um filme robusto, honesto e cheio de conversas abertas sobre temas absolutamente essenciais na mesma medida em que ainda são tabus na sociedade de hoje.
Oscar 2022
Aliás, A Filha Perdida está entre uma robusta e levemente surpreendente lista de 10 indicados a melhor filme. Desde de 2010, quando passou a poder indicar uma dezena de filmes na maior categoria, o Oscar raramente completou o número máximo, sempre ficando entre 8 e 9 indicados. Ainda que todo ano (inclusive neste) possam ser discutidos se alguns merecem ser indicados de verdade (tipo o desastre que acho ser Não Olhe Para Cima), geralmente temos alguns bons filmes ali. A lista completa você pode conferir no G1, mas até agora o grande favorito é o excelente Ataque dos Cães, sobre o qual escrevi aqui na Popcafé. Mais próximo da cerimônia (que, por sinal, será no dia do meu aniversário, 27 de março) eu faço aquela listinha do que vale a pena assistir.
Agnes Nunes é uma paraibaiana de voz incrível: nascida na Bahia, mas muito nova se mudou para o interior do meu estado. E que eu me lembre, conheci Agnes pela conterraneidade: “olha os covers dela no YouTube” alguém indicou vários anos atrás. Daí para se mudar para o Sudeste e gravar com gente famosa foi um pulo. Mas faltava seu primeiro disco e Menina Mulher é mais do que a gente espera. Dona de uma voz suave e marcante, Agnes não esconda por nenhum instante seu sotaque. Seu som, entretanto, não se regionaliza de forma banal, como tantas vezes ainda se faz de forma anacrônica, com alto potencial de ser brega. Com “Mais Sincero” ou “Oração” ela mostra que veio para trazer um R&B romântico com sotaque e sem medo de ser julgada por isso. É uma jovem de 19 anos se descobrindo e se aceitando (e assim, se posicionando) como mulher preta, de cabelos crespos e nordestina, como ela afirma em entrevistas. E o disco é uma potente representação disso tudo sem nenhuma gota de proselitismo, com primorosa produção de Neobeats e Kassin e que merece toda atenção possível.
Por sinal, em janeiro a Popcafé estava de férias, mas moderadamente eu abasteci playlists para gente: primeiro, a coletânea completa de todas as playlists de 2021 (mais de 10 horas de música). Depois, a primeira de 2022, com o que descobri/mais curti em janeiro (não é muito, mas tem coisa boa). E a de fevereiro, que já está em andamento com as novas de Gilsons, Red Hot Chilli Peppets, Jack White e a própria Agnes.
Top 10 aleatório das férias
1. Essa veio dos amigos Rafael Porto e Gi Ismael: e se você regravasse o disco OK Computer (Radiohead) inteiro, mas apenas usando a sua voz? Um homem aceitou o desafio. É toscamente divertido - imagina se Jacob Collier topa o desafio?
2. Esse cover lo-fi de Happier Than Ever (Billie Eilish) é um viral do TikTok primoroso.
3. Stephen Colbert (1): vocês já viram no The Late Show as entrevistas ping-pong “The Questionert”? É bom demais, viu.
4. Stephen Colbert (2): o dia em que Dua Lipa perguntou a ele sobre a relação entre fé e comédia e o apresentador deu a palestra espontânea mais genial possível sobre o tema.
5. Eu já tinha indicado pra vocês esse mashup de “Easy On Me” numa pegada oitentista? Sei lá, caso sim, vai de novo que é bom demais. Aliás, 2 em 1: Adele cantando “I Drink Wine” ao vivo no Brit Awards é outro nível (ganhou álbum do ano, por sinal)
6. Falando em vozerão, esses dias caí nos vídeos de Allie Sherlock, uma irlandesa que canta um absurdo no auge dos seus 17 anos. Por sinal, a banda que a acompanha é formada por brasileiros.
7. Essa conversa aqui entre Adrew Garfield e Dakota Johnson é incrivelmente profunda.
8. Estamos vivendo ou apenas assistindo Casimiro reagir às lancheiras da Nina?
9. Wordle e Termo são excelentes (e viciantes), mas você já viu esse vovô jogando Q-Less no Tiktok?
10. E essa dupla do Ceará mandando um cover hipsterizado de Calcinha Preta? Coisa fina.
É isso galera, Popcafé de volta às sextas para animar seu fim de semana com boas recomendações do que assistir, ouvir ou passar o tempo. Para mais dicas, me segue no Instagram e Letterboxd. Beijo no cérebro.
Ricardo Oliveira