Popcafé #38: Adele nos convida para o funeral do seu coração
Cantora britânica apresenta versão máxima da sua vulnerabilidade na música.
Não é novidade para ninguém que a gente vive a era da super exposição das intimidades. Ainda que a grande maioria das celebridades viva tentando se equilibrar na corda bamba entre se expor o suficiente para se humanizar e preservar sua vida íntima para se proteger, com as mídias sociais tudo mudou.
Acontece que artistas autores (cantores, escritores, cineastas, etc) nunca esconderam que muito do que fazem sempre tem uma camada autobiográfica. Tudo que criamos, no fim do dia, diz muito sobre nós mesmos - quando não é literalmente autoficção.
Se na música isso sempre foi ainda mais evidente, as muitas camadas de cada eu-lírico sempre reservou muita gente da exposição direta.
Mas aí vem Adele e, em seu novo álbum, 30, escancara tudo de uma vez só.
“I'll be taking flowers
[Vou levar flores]
To the cemetery of my heart
[Ao cemitério do meu coração]
For all of my lovers
[Para todos meus amores]
In the present and in the dark”
[No presente e na escuridão]
É, por assim dizer, um disco de luto por seu divórcio. Mesmo longe de ser novidade que a britânica cante suas dores, aqui ela expressa o fim do casamento como uma perda dolorosa e invariavelmente inspiradora artisticamente em seus desdobramentos.
Como sua voz irretocável, Adele vocaliza seus lamentos como ninguém, mas 30 não é um disco de remorso ou de quem dá um pé na bunda. É, por exemplo, a constatação de que ainda que tenha feitos escolhas certas, muito da nossa imaturidade para as situações é percebida só muito depois. Se o hit “Easy On Me” não tem vergonha do mea culpa com um “Pega leve comigo, baby. Eu era só uma criança”, a minha favorita, I Drink Wine, admite que se houves erros foram de ambas as partes no relacionamento:
How can one become so bounded
[Como alguém pode se tornar tão limitado]
By choices that somebody else makes?
[Pelas escolhas que outra pessoa faz?]
How come we've both become a version
[Como nós dois nos tornamos a versão]
Of a person we don't even like?
[De uma pessoa de quem nem gostamos?]
É justo dizer que em 30 estão algumas das melhores canções de Adele, assim como possivelmente é seu trabalho mais maduro artisticamente. Strangers By Nature, que citei acima, é incrível com seu clima de musical da Hollywood dos anos 1950. Mas esta maturidade, apenas como curiosa constatação (sem peso crítico), é o que inevitavelmente esperamos, afinal, de alguém que intitula seus discos nos seus marcos de idade. O 21 (que completa 10 anos), entretanto, segue para mim sendo sua obra máxima: é mais inventivo, robusto e marcante - mas é também a obra de alguém de vinte e poucos anos. O lançamento de 30 a coloca em um patamar de grandeza única, exalando vasta coragem de ser vulnerável com sua arte, que só agora poderia ser alcançada.
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Bônus 1: o especial One Night Only, com a cantora interpretando suas novas canções e concedendo entrevista a Oprah Winfrey, está no catálogo da Globoplay.
Bônus 2: para quem quiser se aprofundar na criação do álbum e em como a vida pessoal da cantora se mistura a esse processo, vale assistir à entrevista que ela deu a Zane Lowe na Apple Music.
Bônus 3: também seguindo uma ideia atípica, a rádio SiriusXM conseguiu colocar John Mayer para entrevistar a cantora.
Top 5 aleatório da semana
1. Na próxima quarta chega à Netflix Ataque dos Cães, novo filme da neozelandesa Jane Campion (vencedora da Palma de Ouro e de 3 Oscar com O Piano). A obra traz Kirsten Dunst e Benedict Cumberbatch no elenco.
2. Aliás, também chegou ao catálogo da plataforma o excelente Oitava Série, filme de estreia em longas do humorista e diretor Bo Burnham. É um coming of age sobre solidão na adolescência, dialogando diretamente com a era digital.
3. E o youtuber mais hypado do momento, com seus 78 milhões de inscritos, Mr Beast fez nada menos que uma recriação completa de todas as provas de Round 6, minissérie da Netflix. Conhecido por seus prêmios em dinheiro, o canal ofereceu como premiação 456 mil dólares.
4. Como seria se “Save Your Tears”, hit de The Weeknd, fosse uma música de David Bowie?
5. Nesta sexta chega ao catálogo da Mubi, plataforma dedicada a filmes autorais e clássicos, o aguardado Annette. Conhecido por seu surrealismo, a nova obra do francês Leos Carax é nada menos que um musical com Adam Driver e Marion Cotillard.
É isso, gente boa. Curtam o fim de semana ao som de muito 30 da Adele e aproveitem as dicas de filmes.
Abraço’s,
Ricardo Oliveira
Eba!! Queria assistir "Oitava série" desde que foi sugerido em outra newsletter! Bom saber que chegou na netflix!!