Popcafé #37: a nostalgia funk-soul do Silk Sonic; o novo pop de Manu Gavassi e Priscilla Alcântara
Bruno Mars e Anderson .Paak oficializam as expectativas para o disco do Silk Sonic; Priscilla Alcântara e Manu Gavassi surpreendem com novos discos produzidos por Lucas Silveira.
O filé mignon de Anderson .Paak e Bruno Mars
Quando rodaram juntos pela europa, Anderson .Paak e Bruno Mars começaram a brincar sobre gravar um álbum juntos. Paak abria os shows da turnê 24K Magic de Bruno e, para bons ouvintes do trabalho dos dois, se alguém passasse por perto e ouvisse a brincadeira, não seria difícil imaginar o que poderia sair dali. Ainda que em rotas ligeiramente diferentes, Paak (mais sofisticado) e Mars (mais pop) bebem das mesmas fontes para fazer seu som: é Motown, é James Brown, é Bootsy Collins - que apadrinhou, participa do disco e ajudou a batizar o Silk Sonic.
“Leave The Door Open”, lançada em março deste ano, é um hit absurdo, no nível de já ser uma das canções mais famosas de Mars no Spotify - o que automaticamente quer dizer que é a mais famosa de Paak. Com "Skate” e “Smoking Out The Window”, não havia quase nenhuma dúvida que o aguardado “An Evening With Silk Sonic” seria um tiro certo - e é.
O disco é curto e promete aquilo que era mais fácil de antecipar: o melhor e mais instigante do trabalho de Mars e Paak. Faixas como “Fly As Me” e “777”, inéditas até aqui, são o puro “girl, I got filets” dos últimos trabalhos de Paak e sua voz rouca, ritmada, com forte influência do hiphop e a bateria frenética que ele domina tão bem. Já “Put On a Smile” e “Blast Off” (outras duas inéditas), além de claramente serem exercícios ainda mais nostálgicos, puxam mais as harmonias para a voz e o estilo de Mars - o que nem sempre vai ser o mais original no disco. Com 9 faixas, sendo uma a introdução, o debut do Silk Sonic é não só um excelente convite para conhecer os discos de Paak e ouvir com novos ouvidos os de Mars, mas também um dos melhores álbuns dos últimos anos.
Um passo a mais no pop
Sob a batuta da produção musical de Lucas Silveira, vocalista da Fresno, Priscilla Alcântara e Manu Gavassi abrem novas frentes musicais com seus mais novos trabalhos. Em Você Aprendeu a Amar? (lançado no fim de outubro pela Sony Music), Alcântara bate na mesa para dizer que se libertou das correntes de um mundo gospel onde construiu sua carreira, mas onde também foi sufocada pelo preconceito. Com “Boyzinho”, a faixa de abertura, mostra que está disposta a fazer um R&B seguro de si, sem prestar contas por não estar mais falando de Jesus. Com produção primorosa, tem guitarras ritmadas e linhas de baixo e bateria sólidas (atípicas para o pop radiofônico brasileiro) tal qual as também ótimas “Você É um Perigo” (no maior clima Dua Lipa) ou “Tem Dias”. Já Gavassi, com seu “Gracinha” (lançado na última semana pela Universal) abre o disco também quebrando expectativas: tal qual a “Getting Older” que abre o último de Billie Eilish, faz uma canção refletindo sobre a carreira e as expectativas que o mercado coloca sobre ela. E para quebrá-las, as escolhas são sedutoras. A faixa tema tem não apenas a voz, mas o clima do trabalho de Tim Bernardes, junto às teclas do pianista Amaro Freitas. Apesar de parte do álbum evidenciar que não é uma ruptura completa com aquele estilo meio falado, meio cantado, com faixas como “Tédio” e “Bossa Nova” os novos ares ficam mais evidentes. E junto a Alcântara, mostram que a influência da produção de Lucas é não apenas bem-vinda como oportuna: sem demérito, o pop radiofônico brasileiro não precisa ficar para sempre preso aos beats de Anitta, Alok e Melim.
Verdade em preto e branco
Rebeca Hall (Godzilla vs Kong) tem um lado materno afro-americano e, treze anos atrás, teve contato com um livro de 1929 que a ajudou a entender uma complexa decisão que seu avô, negro, tomou: se passar por branco. A expressão “Passing” (também o nome do livro), que tem o sentido de transição de mundos mas também de fingimento, virou o título original de Identidade, seu primeiro filme como diretora, uma adaptação da obra de Nella Larsen e recente estreia no catálogo da Neflix. Contando a história de duas amigas negras de pele clara que se reveem em um “bairro de branco” em Nova York, a fita expõe o choque desse reencontro: Irene ocasionalmente finge ser branca porque vive bem financeiramente no Harlem, mas quer fazer compras nos bairros “nobres” da cidade. Por lá, reencontra a amiga da adolescência, Clara, que não só se passa por branca como casou com um branco racista. Por mais esdrúxula que possa soar toda essa narrativa, ela não é menos que uma realidade que se conhece pouco justamente por ser “escondida”. Na primeira parte do século XX, afinal, parte dos Estados Unidos não só ainda tolerava o racismo como o defendia de forma legal. A diretora, assim, faz um dos usos mais inteligentes da fotografia em preto e branco dos últimos tempos. Por se eximir de cores, o filme reabre discussões sobre o famoso white-washing que rotineiramente ainda se faz não apenas em Hollywood, mas também na publicidade. Ainda que não consiga terminar com o mesmo impacto (e clareza) que tem no início, Identidade se conduz habilmente em meio a excelentes atuações - especialmente da sua protagonista, Tessa Thompson.
Top 5 aleatório da semana
1. Em excelente papo cheio de cinefilia com Stephen Colbert, Quentin Tarantino explica porque decidiu escrever uma versão romance do seu filme Era Uma Vez em… Hollywood
2. Já no programa de Seth Meyers, Taylor Swift comenta porque decidiu regravar inteiramente seu álbum Red, lançando novas versões de músicas consagradas e um curta-metragem dirigido por ela para All Too Well.
3. The Gilded Age é a nova série de época da HBO, que tem a produção de Julian Fellowes (o criador de Downton Abbey) e ganhou seu primeiro trailer. Chega a HBO Max em janeiro de 2022.
4. Os clássicos GTA III, Vice City e San Andreas voltaram em edições remasterizadas e, apesar dos muitos bugs gerarem um sem fim de memes, dá aquela vontadezinha de jogar um clássico, né.
5. E se esses dias Ed Motta ainda segue falando suas bobagens, liquidificando elitismo e ignorância, o TikTok sabe responder à altura.
Por hoje é isso, gente boa. Uma daquelas edições bem recheadas. Acumulou: semana passada não teve por descuidos de agenda, mas hoje voltamos à programação normal.
Já tomou sua segunda dose? Se não, corre lá que a 3ª já tá vindo por aí.
Abraços,
Ricardo Oliveira