Popcafé #32: o horror do capitalismo em Round 6
Série sul-coreana da Netflix alcança sucesso global com ironia ao sistema capitalista; Michel Laub fala sobre a estranha nostalgia bolsonarista por Legião Urbana.
Round 6 (ou Squid Game), novo sucesso global da Netflix conta com uma premissa já consagrada: ao colocar 456 pessoas falidas em um jogo mortal de premiação milionária, questiona a natureza humana e sua ligação inevitavelmente visceral com o dinheiro. O criador do tal jogo é o mistério da série, mas o autor e diretor de todos os episódios da ficção, o sul-coreano Hwang Dong-hyuk, não esconde que 10 anos atrás, quando teve a sua ideia, não parecia nada bem financeiramente, como o seu protagonista Gi-hun.
O que Dong-hyuk faz ao escrever e dirigir a série, para se diferenciar dos mangás que o influenciaram (como Battle Royale ou As The Gods Will - ambos com adaptações para o cinema) ou dos filmes que se consagraram nas últimas décadas (Jogos Mortais, Jogos Vorazes), foi inserir a ironia de que nos jogos infantis da minissérie coreana os perdedores são de fato eliminados.
Ainda que não demore para o espectador visualizar a crítica mais direta às engrenagens falidas do capitalismo em diferentes recortes (e personagens) sociais, Round 6 vai um pouco além. Lá também estão subtextos sobre reality shows, as malucas gincanas de TVs japonesas e, por que não?, os games de battle royale (Fortnite, PUGB).
Conseguindo livrar a Netflix do esquecível filme espanhol O Poço (como alegoria da humanidade no capitalismo tardio), Round 6 entra no hall de sucessos globais da plataforma com um detalhe importante: seus maiores hits, mesmo sendo uma empresa americana, são de séries que não tem o inglês como língua original. Seja com Lupin, La Casa de Papel, Nada Ortodoxa ou Elite, a plataforma mostra que uma visão descentralizada do mundo é mais que bem-vinda.
O que a torna definitivamente memorável, entretanto, é a capacidade de unir uma narrativa irresistível com uma ideia muito clara de que o jogo mais perverso acontece fora da ilha - e que nada vai mudar até que ele deixe de ser como é.
Que país é esse, Renato?
Em brilhante texto sobre os aspectos políticos da vida e obra de Renato Russo, Michel Laub disserta sobre a nostalgia bolsonarista nos comentários de clipes da banda no YouTube. É um baita texto e deixo aqui um trecho:
“Num país como o Brasil, o perfil sociocultural de porta-vozes da juventude como Lobão e Renato, dois homens brancos vindos da classe média instruída, não deixa de ser um dado de época. Basta ver o que ocorreu quando o cenário musical dos anos 1980, feito de poucas rádios e emissoras de tevê, consumo restrito a discos e ingressos caros de shows, foi democratizado. Isso não apenas aumentou o alcance de gêneros populares e festivos (o pagode, o axé, o sertanejo universitário), como alterou a dinâmica do que se poderia chamar de segmento contestatório: numa sequência que se inicia no engajamento político dos Racionais MC’s e vai até as afirmações comportamentais de Anitta e Pabllo Vittar, o perfil dos artistas nos quais o grande público se espelha para confrontar valores estabelecidos se tornou mais diverso, menos dependente das estruturas tradicionais de mercado.”
Top 5 nada aleatório pois todo musical
1. “Reparação histórica”: a famosa revista de música, Pitchfork, decidiu fazer um mea culpa com notas dadas a discos que precisavam de “correção”. Digamos que precisava ser corrigido um 6.4 de nota para a obra-prima Discovery do Daft Punk. E vai longe.
2. E falando em passado e presente, o selo Balaclava promoveu um encontro entre Samuel Rosa e a Terno Rei, banda que o cantor do Skank costuma elogiar. O papo às vezes é meio chato, mas as versões ficaram ótimas.
3. Na próxima sexta sai o novo disco do Coldplay com produção de Max Martin. No meio do ótimo super hit “Higher Power” ou da hypada parceria com o BTS, é “Coloratura”, uma espécie de canção de brit-pop-progressivo, que chama atenção. Ela ao vivo no Stern Show é imperdível.
4. Dave Grohl conta para Pharrell de onde ele tirou as influências para as linhas de bateria do disco Nevermind: funk music.
5. E depois de 17 anos, o Tears For Fears está de volta: anunciou novo disco para fevereiro e lançou o ótimo single “The Tipping Point”.
Por hoje é isso, gente. Estamos chegando aos 600.000 mortos no Brasil (sempre lembrando que esses são números oficiais, mas que a subnotificação é uma exceção considerável no país) com mais de 18 meses de pandemia. Continua não sendo fácil aturar todo esse caos gerado pelo projeto deliberadamente genocida do Governo Federal, mas conseguiremos. Que um pouco de arte no seu fim de semana ajude a não esquecer: esperança sempre.
Um abraço,
Ricardo Oliveira
@ricardosemconteudo