Popcafé #31: o mês do terror invade a newsletter com a "Missa da Meia-Noite" da Netflix
Minissérie do mesmo diretor de "Doutor Sono" traz embate entre o mal e a racionalidade; dicas aterrorizantes tomam a newsletter em outubro.
Outubro é o Mês do Horror em diferentes canais de conteúdo na web. É, eu sei: o Brasil já não tem horror o suficiente? Calma, eu explico. Graças ao Halloween, muita gente aproveita para indicar referências de cultura pop de narrativas sombrias. E assim será em outubro na Popcafé, sempre com um texto de abertura recomendando algo que, mais do que dar um medinho, no mínimo nos faz pensar sobre os nossos próprios medos. Esse tem sido, desde sempre, um dos principais motes do gênero: as angústias diante do desconhecido - seja este natural ou não. Mas como diz o personagem principal de A Maldição da Residência Hill (do mesmo diretor do nosso destaque de hoje), o sobrenatural é apenas algo natural que ainda não foi compreendido. Será?
Deus, o Diabo e uma ilha remota em Missa da Meia-Noite
Quando criança, o diretor Mike Flanagan (Doutor Sono, A Maldição da Residência Hill) se perguntava na escola bíblica dominical sobre a transubstanciação nos sacramentos da ceia: se o pão e o vinho viram sangue e corpo de Cristo, então quer dizer que católicos são vampiros se alimentando da carne e da seiva de vida de alguém?
Foi da lembrança de tal inquietação que nasceu o seu roteiro para Missa da Meia-Noite, nova minissérie da Netflix que Flanagan produz e dirige. Ambientada em uma pequena ilha nos Estados Unidos onde residem pouco mais de cem pessoas, o lugar começa a viver episódios estranhos após a chegada de um novo padre.
Com exímio domínio da retórica cristã que se dá nas falas do ministro católico e seus seguidores mais fiéis, o roteiro exibe pouco a pouco uma construção comum a muitos espectadores: da crítica à hipocrisia, do embate entre fé e racionalidade, dos dilemas entre vida prática e moral religiosa.
O que Flanagan destrincha com ainda mais propriedade, é como que sutilmente esses discursos se diluem em pequenas “heresias” em nome de um acontecimento particular com o padre que chega à cidade. É a partir dos episódios 3 e 4 da série que as coisas tomam rumos absolutamente novos, seguindo daí para caminhos que fazem de Missa da Meia-Noite umas das histórias de horror mais originais dos últimos tempos.
A partir de um dos signos mais icônicos das histórias de terror do cinema, literatura e RPG, Flanagan constrói uma inesperada narrativa de origem, se apropriando com destreza da metáfora bíblica de que o próprio diabo se disfarça de “anjo de luz”. Com diálogo direto com filmes como O Mensageiro do Diabo ou O Nevoeiro, Flanagan em uma primeira camada fala sobre lobos em pele de cordeiro e a noção de maldade, mas aprofundando em um segundo olhar discussões perspicazes sobre culpa, morte o sentido da existência.
Ainda que possa escorregar nos desenlaces do episódio final, com conclusões um pouco atropeladas para personagens significativos demais, Missa da Meia-Noite encerra como uma das mais inventivas formas de unir crítica a decadência religiosa e o horror de símbolos clássicos do gênero. Mostrando que há uma racionalidade possível aos mais devotos religiosos para combater o mal, Flanagan combate os clichês do gênero sem jumpscares e acuidade de sobra no tema que investiga.
Veja também: Mike Flanagan em Doutor Sono (2019, HBO Max)
Adaptando a obra de 2013 de Stephen King, que é uma continuação direta de O Iluminado, Flanagan nos apresenta a história de Danny Torrance, filho agora adulto de Jack - personagem de Nicholson que vive surto psicótico na história original. Aqui, o personagem de Ewan McGregor tem consciência dos seus poderes “iluminados” e, lutando contra o alcoolismo, sua história se cruza com a de um grupo de “vampiros de almas”. Invariavelmente, o filme reencontra com seu antecessor e, ainda que não o alcance em mesmo impacto, tem uma história menos psicológica mas ainda sólida ao que se propõe.
Top 5 aleatório da semana
1. Publiquei mais um episódio da Livraria Popcafé, dessa vez falando sobre como eu “compro” livros sem gastar nada no sebo da minha cidade.
2. Vem aí novo filme de Paul Thomas Anderson (Sangue Negro), o que é sempre algo para ficar de olho. Licorice Pizza traz um coming of age com cinema ao fundo.
3. Na minha saga de perfis mais peculiares do Tiktok, o @oldtimehawkey foi um dos melhores, sem dúvida. Um cara simpático fazendo comidinhas numa cabana com seu cachorro e assistindo VHS. É isso.
4. Aliás, outra coisa que encontrei por lá, mas a versão completa está no YouTube: um cara canta “Sultans of Swing” inteira, mas com a letra de Menino da Porteira. É um primor.
5. Nem toda tirinha online é de uma tela só, muito menos um post único. As webséries publicadas por Antonio Dias em A Baixa da Égua provam que um pedaço da história por dia também pode ser massa demais.
Bônus track: falando em história em quadrinhos seriada e online, chegou ao fim a já clássica “BOM DIA, SOCORRO”, de Paulo Moreira.
É isso, amiguinhos. Um bom fim de semana e um ótimo mês do horror a todos.
Abraço’s
Ricardo Oliveira
@ricardosemconteudo