Popcafé #23: a bela declaração de amor de John Mayer ao soft rock dos anos 80
Novo disco traz nostalgia oitentista conceitual; e mais: O Caso Evandro e o top 5 aleatório da semana.
Sob Rock, de John Mayer, quer criar falsas memórias em sua cabeça
Pode parecer frustrante um artista ficar quatro anos sem lançar um novo álbum e, ao chegar aos streamings, um novo disco ter apenas 10 canções, sendo somente seis delas inéditas. Sob Rock, novo álbum de John Mayer, é exatamente isso - mas está longe de ser frustrante.
Estão lá singles como “New Light” (de 2018) ou “Carry Me Away” e “I Guess I Just Feel Like” (de 2019). E isso realmente seria uma decepção nas mãos de um intérprete pop comum, que entra na sala de gravação com uns dois produtores, dois compositores e depois de uma semana sai com um álbum pronto. Acontece que John Mayer é não apenas um compositor pop primoroso, mas um artífice minucioso na sala de gravação.
Aos 43 anos, John Mayer afirma que, conceitualmente, Sob Rock é uma viagem narrativa criada como quem imagina um filme. Em suas próprias palavras, como Era Uma Vez em Hollywood…, de Quentin Tarantino.
A narrativa e a associação à nostalgia do cineasta logo se explicam com o clima oitentista e soft rock do disco. Mas com os clipes de “Last Train Home” ou “Shot in The Dark” a coisa fica ainda mais intensa - e interessante.
Mais do que tentar emular a sonoridade que reverencia e referencia do começo ao fim no disco, Mayer diz que quer criar “falsas memórias” em quem ouve. Memórias de coisas que nunca aconteceram de verdade com você, mas não se tem certeza se são reais ou não. Em “Wild Blue”, por exemplo, John Mayer está declarando seu amor por Fleetwood Mac ou essa é uma regravação do grupo que reapareceu no mundo graças ao TikTok?
Em baladas curiosas como “Why You No Love Me” (com um “erro” proposital em inglês), Mayer imprime uma espécie de paradoxo entre tema e estética. Em entrevista a Apple Music, faz referência sutil ao “yacht rock” que fez sucesso nos anos 1980 graças ao clima homens-usando-ombreiras-em-um-iate-navegando-contra-o-pôr-do-sol. A diferença é que aqui a letra é melancólica e “soul searching”.
Há muito que John Mayer largou o pop meio blues, meio rock, de hits melosos como “Slow Dancing on a Burning Room” ou “Your Body is a Wonderland”. O que não quer dizer que ele não fale o tempo todo de relacionamentos. Esse é o seu som e seu tema, aqui derramando uma paixão pelo som de Phil Collins, Toto, Prince e Hall and Oats.
Bastante “californiano” (ou “west coast sound”), Sob Rock rima diretamente com Women In Music Pt III das vizinhas do HAIM: para extrair o melhor do conceito, se espreme ao extremo a alusão de três ou quatro décadas atrás da música, só até antes que ela se torne brega ou vazia de sentido.
O novo disco de John Mayer, enfim, é uma espécie de Miami Vice da música - não a série dos anos 1980, mas o brilhante filme de 2006 de Michael Mann. Tal qual uma fita de Tarantino - o rei da nostalgia cinéfila -, Sob Rock é um álbum feito por alguém apaixonado pela música de uma outra época. Mas absolutamente pelo melhor dela.
O Caso Evandro
Graças a uma história de dimensões inesperadamente históricas, políticas e imprevisíveis, O Caso Evandro se torna uma espécie de série documental obrigatória para qualquer brasileiro. A minissérie da Globoplay é uma adaptação do podcast homônimo de Ivan Mizanzuk, do Projeto Humanos, e amplia a investigação utilizando não só o trabalho já feito anteriormente, mas agregando todo acervo da TV Globo e suas afiliadas para ilustrar ainda mais a história. Eu particularmente tenho dificuldade em “obedecer” a sinopse padrão da série, por acreditar que essa definitivamente não é uma história sobre o desaparecimento e morte de uma criança nos anos 90 - ainda que esse seja o estopim, claro. Explicar o porque aqui, porém, pode estragar a experiência. Já estou produzindo um artigo sobre o que acredito ser o tema central e que é, no fim das contas, uma história do lixo residual de outras décadas no Brasil. Imperdível.
Top 5 aleatório da semana
1. “E amarga qui nem wasabi…” - trocadilhos infames à parte, uma japonesa canta (em japonês) uma versão de “Qui Nem Jiló” de Luiz Gonzaga. Bem bonito.
2. Saiu um disco/DVD inédito de Charlie Brown Jr. Chegou Quem Faltava é um registro de 2011 e, claro, tem uma vasta seleção de hits. Dá pra assistir completo no YouTube.
3. Chegamos oficialmente na era do turismo espacial: Richard Branson, fundador do grupo Virgin, fez o primeiro vôo da sua Virgin Galatic e já está vendendo passagens para passeios a partir do ano que vem. Basta ter 250 mil dólares. Justin Timberlake e Lady Gaga têm.
4. Hoje também foi dia do lançamento de Drama, novo álbum de Rodrigo Amarante. Já tem canções novas na playlist Popcafé de Julho, assim como sons de Sufjan Stevens, Leon Bridges e Gilberto Gil.
5. E nos cinemas e streamings, valem dois destaques: a estreia de Space Jam 2, com o rei Lebron James estrelando, e Os Pequenos Vestígios (no HBO Max) com Denzel Washington interpretando um detetive caçando um serial killer.
Por hoje é isso, gente. Na próxima edição, provavelmente estarei vacinado. E, a partir de hoje, o pequeno Theo pode chegar a qualquer momento. Muitas emoções. E, como sempre, mais novidades lá no Instagram.
Um abraço,
Ricardo Oliveira
@ricardosemconteudo