Popcafé #19: a Esperança de Mallu Magalhães e a desesperança de Bo Burnham
Novo disco do Kings of Convenience, a vida pós-digital de Bo Burnham e muito mais coisinhas aleatórias para aquecer seu coração neste fim de semana.
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Os Kings of Convenience estão de volta. Doze anos depois do último álbum de estúdio, Declaration of Dependance, os noruegueses mais bossanovistas do mundo nos apresentam o belo Peace or Love, lançado nesta sexta nublada aqui na sempre solar João Pessoa. Erik e Erlend estão no top 10 das coisas que mais ouço na vida há muitos anos. Seu som é aquele indie pop fácil de ouvir e que agrada qualquer pessoa. E como disse o amigo Bruno Monteiro em seu Instagram, outro fã do duo, quem liga se as músicas são todas iguais? Ou quem liga que o single “Rocky Trail” parece um lado B de “Boat Behind”? Claro que é sarcasmo, mas com um fundo de verdade e um pouco de carinho. Até a parceira Feist (canadense que também vai lançar disco novo em breve) está de volta em duas boas canções do disco. No fim do dia, Peace or Love vai passar um bom tempo no loop por aqui e estou certo que você vai me agradecer.
Quem também está de volta é a madame Mallu Magalhães com o excelente Esperança. Gravado há mais de 1 ano e previsto para ser lançado às vésperas de quando a pandemia estourou, ficou guardado apurando e, olha, que som. O “lado B” do disco é onde está o seu melhor, com canções lindas como “Fases da Lua” e “Enjoy The Ride”, mas não é como se o “lado A” não tivesse as ótimas “Barcelona” (com participação de Nelson Motta declamando um poema) ou “Cena de Cinema”. Com Preta Gil ela canta o seu provável próximo hit, “Deixa a Menina”. E “Quero Quero”, além de um belo trompete delineando a melodia, traz o clipe colaborativo feito com fãs via Instagram que você confere abaixo. Mallu amadurece a cada novo disco e Esperança é dos seus maiores acertos aos 29 anos.
A mente pós-digital de Bo Burnham em “Inside”
Bo Burnhan não é um comediante comum. Cria de YouTube e da MTV, consagrou-se com especiais de humor na Netflix, misturando stand-up com sátira e música. Se Make Happy (2016) o estabeleceu como esse alguém com muito a dizer, Inside (2021) o evidencia como um olhar único sobre a vida pós-digital.
O novo especial é um experimento importante na carreira de qualquer comediante que se constitui nos palcos: quantos você conhece que conseguem ter ritmo, texto preciso e fascínio quando não tem uma plateia presencial diante de si? Se dá pra contar nos dedos de uma mão, Bo Burnham afunila o desafio facilmente: quantos desses compõem, filmam, dirigem e editam os próprios materiais no mesmo nível de Inside?
O especial mostra que Burnham não considerou os limites da pandemia uma fronteira para seu trabalho. E a razão parece simples: ele sempre disse muito mais enquanto cantava do que quando falava no palco (aqui ele inclusive comenta que largou os palcos por crises de pânico). Desde o início, sua obra é pautada pela música escrita e interpretada por ele mesmo. Não à toa, são cinco álbuns disponíveis para ouvir no Spotify.
E a música de Burnham depende muito menos de uma plateia do que o texto de um bom stand-up. São canções que falam essencialmente sobre as complexidades, futilidades e decadências do mundo pós-digital onde Burnham "nasceu" como artista. A maior parte delas tem um caráter bastante performático e de sátira, dificilmente ganhando o ar de uma canção pop de fato, com alta capacidade de replay.
Uma delas em especial, entretanto, está fazendo seu trabalho ganhar uma dimensão diferente: "That Funny Feeling", um folk sobre a vida digital em constante alt+tab ou deslizando feeds infinitos de mídias sociais, ganhou uma trend própria no TikTok. Além de fazer covers, tem gente reescrevendo a canção para encaixar na própria vida, deixando intocado apenas o refrão. Mas é claro que isso ganhou outra forma justamente porque gente talentosa como Burnham entrou na brincadeira: Lizzy McAlpine e Dodie fizeram suas versões da canção.
Inside, assim, é um experimento que traça uma nova linha na carreira de Burnham. Depois de lançar o seu primeiro longa-metragem nos cinemas (o ótimo Oitava Série), aqui ele assume novas fragilidades e lugares criativos, demonstrando que sua capacidade de fazer rir e refletir não depende do palco para chegar no patamar que chegou.
Tocando em Junho na Popcafé
A playlist foi atualizada, já passa das 30 músicas e o mês nem acabou. Um monte de música nova que curti nos últimos dias para você conhecer: tem a ótima “Algum Ritmo” dos Gilsons; a charmosa “Twist” da jovem Dizzy e muito mais. Corre lá e segue a playlist no Spotify:
Top 5 aleatório da semana
1. Há uma genialidade única no podcast Medo e Delírio em Brasília, enquanto mistura jornalismo com sátira política. Tem pitadas de Trevor Noah misturadas com TV Quase e o resultado é fantástico. Dica do amigo @jerimum.
2. Os paraibanos da Headspawn me surpreenderam essa semana com o single “Voices” e seu clipe. É um nu metal herdeiro do Korn e do Slipknot produzido com muito apuro. Dica da amiga @giismael.
3. Aliás, falando em Gi, se você ainda não a segue na Twitch fazendo transmissões enquanto joga clássicos como The Secret of Monkey Island, você está equivocado(a).
4. Na próxima terça estreia uma nova série documental sobre música pop na Netflix.
5. E se você pensa em ter seu home studio, seja para gravar música ou podcasts, esse provavelmente é o melhor canal em português sobre o assunto.
Por hoje é isso, pessoal. Se cuidem, continuem usando máscara, evitando aglomerações e afins.
Abraço’s,
Ricardo Oliveira